Conclusão é de pesquisa feita na USP e em Harvard que avaliou o impacto de cinco fatores de risco – sedentarismo, má alimentação, sobrepeso, tabagismo e consumo de álcool – sobre a incidência da doença.
Publicado na revista Cancer Epidemiology, o trabalho indica que, do total dos casos de câncer anuais no Brasil, pelo menos 114 mil (27% do total) poderiam ser evitados com um estilo de vida mais saudável. Quanto às mortes causadas pela doença, 63 mil vidas (34% do total) poderiam ser poupadas.
Os dados são resultado de um estudo epidemiológico realizado por pesquisadores do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e da Harvard University, nos Estados Unidos, com apoio da FAPESP.
Segundo o estudo, as incidências de câncer de pulmão, de laringe, de orofaringe, de esôfago, de cólon e de reto poderiam ser reduzidas pela metade caso os cinco fatores de risco – tabagismo, consumo de álcool, excesso de peso, alimentação não saudável e falta de atividade física – fossem eliminados.
“Uma questão que chama a atenção nesses resultados é a proporção de casos que poderia ser evitada ao reduzir os fatores de risco relacionados ao estilo de vida. De acordo com diversos trabalhos anteriores nessa área, não há nenhuma outra medida capaz de prevenir tantos casos. O estudo deve servir de base para a formulação de políticas públicas para a prevenção de câncer no Brasil”, disse Leandro Rezende, pesquisador da FM-USP e um dos autores do estudo.
O câncer é uma doença multifatorial e está entre as principais causas de morte no Brasil. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a expectativa é que, em 2025, os casos aumentem em até 50% no país, principalmente pelo crescimento e pelo envelhecimento da população.
Porém, de acordo com o novo estudo, além das mudanças na estrutura populacional, o aumento na prevalência dos cinco fatores de risco relacionados ao estilo de vida do brasileiro pode representar desafios adicionais para o controle do câncer no país.
“A prevenção primária do câncer por meio de modificações no estilo de vida é uma das abordagens mais interessantes e realistas para o controle da doença no Brasil”, disse Rezende.
Segundo José Eluf Neto, professor titular da FM-USP e orientador do estudo, garantir o acesso a parques e outros locais de lazer são medidas que deveriam ser consideradas em termos de políticas públicas para a saúde.
“Incentivar a prática de atividade física, a alimentação saudável e ter locais de lazer em todas as áreas da cidade – perto da casa das pessoas – são medidas de prevenção primária que não devem ser desprezadas pelos gestores públicos. Pelo contrário, além de ter um impacto grande na redução de mortes, esse incentivo a uma vida mais saudável reduz consideravelmente o número de casos da doença”, disse Eluf Neto à Agência FAPESP.
Há um consenso na literatura científica de que os cinco fatores de risco em questão estão associados ao desenvolvimento de 20 tipos de câncer. O novo estudo calculou a fração atribuível populacional (FAP) do câncer – uma métrica capaz de estimar a proporção de casos possível de prevenir se os fatores de risco fossem eliminados – e relacionou esse dado com estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre índice de massa corporal (IMC) elevado, consumo de cigarro, álcool, prática de atividade física e informações sobre a alimentação.
Na pesquisa, o fator alimentação não saudável foi subdividido em seis: baixo consumo de frutas, verduras, fibras e cálcio e consumo elevado de carne vermelha e de carne processada.
Os dados sobre a distribuição dos fatores de risco foram calculados a partir da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013, que permitiu estimar consumo de álcool, IMC, consumo de frutas e hortaliças, atividade física, tabagismo e fumo passivo entre não fumantes no Brasil.
Já a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada em 2008-2009 pelo IBGE, foi usada para obter o consumo alimentar de fibras, cálcio, carne vermelha e processada. A distribuição dos fatores de risco do estilo de vida foi estimada por sexo e grupos etários.
Os pesquisadores consideraram dois cenários de exposição: um com risco mínimo teórico (eliminação total dos riscos relacionados ao estilo de vida) e outro com base em metas de políticas públicas e recomendações para a prevenção do câncer (atenuação da prevalência dos fatores de risco).
Nesse cenário de restrição dos fatores de risco, o consumo de álcool teria uma redução relativa de 10%, para menos de 50 gramas por dia. Também fazem parte desse cenário uma redução no IMC de 1 quilo por metro ao quadrado (kg/m2) na média da população, uma dieta com 200 a 399 miligramas (mg) de cálcio por dia e a redução de 30% na prevalência do consumo de tabaco.
“Estimamos também o impacto de reduções (e não só a eliminação por completo) desses hábitos não saudáveis, o que é muito interessante para a saúde pública. Com o incentivo a hábitos mais saudáveis, segundo recomendações de prevenção do câncer, já seria possível evitar um número importante de mortes e casos da doença”, disse Rezende.
Pelos cálculos do cenário que apenas atenua os riscos, 4,5% dos casos (19.731 casos) e 6,1% das mortes (11.480 mortes) poderiam ser evitados.
Homens e mulheres
Os pesquisadores também identificaram os principais fatores de risco no estilo de vida, individualmente e em combinação, por sexo e tipo de câncer no Brasil.
Pela análise, o tabagismo, responsável por 67 mil casos e 40 mil mortes ao ano no Brasil, respondeu pela maioria dos desfechos negativos que poderiam ser prevenidos, seguido por excesso de peso (21 mil casos e 13 mil mortes) – fortemente ligado à alimentação não saudável e à falta de atividade física – e pelo consumo de álcool (16 mil casos e 9 mil mortes).
“Avançamos muito nos últimos 10 anos com várias leis e ações que conseguiram reduzir em mais da metade a prevalência do tabagismo. No entanto, ele continua sendo a principal causa de câncer. Isso reforça a necessidade de campanhas, taxas e restrição de marketing. Também precisamos tomar conta de questões novas, como, por exemplo, o cigarro eletrônico. Ainda não sabemos seu impacto na saúde, apenas que serve como porta de entrada para o vício, sobretudo para jovens e adolescentes”, disse Rezende.
Na análise por sexo, homens e mulheres foram afetados de forma diferente. Em homens, o tabagismo (20,8%) impactou mais do que a soma dos fatores excesso de peso, falta de atividade física, consumo de álcool e alimentação inadequada (14,2%). Já nas mulheres, a soma desses quatro últimos fatores impactou mais casos da doença (15,2%) do que o tabagismo (10,1%) isolado.
“Pela distribuição dos cinco fatores de risco nessas duas populações, tabagismo é disparado o principal fator de risco para câncer. Essa diferença entre homens e mulheres ocorre porque a prevalência de tabagismo ainda é mais alta entre os homens no Brasil. Mas não é só isso, as mulheres são mais impactadas por outros fatores. Elas praticam menos atividade física e apresentam um índice de massa corporal maior que o dos homens”, disse Rezende à Agência FAPESP.
O artigo Proportion of cancer cases and deaths attributable to lifestyle risk factors in Brazil (doi: 10.1016/j.canep.2019.01.021), de Leandro Fórnias Machado de Rezende, Dong Hoon Lee, Maria Laura da Costa Louzada, Mingyang Song, Edward Giovannucci e José Eluf-Neto, pode ser lido na Cancer Epidemiology em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1877782118305253?dgcid=author#bib0010.
Fonte: Agência FAPESP.