Em 2019, teve novidade na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM-UERJ). Neste último semestre, os alunos da graduação puderam cursar a disciplina eletiva Espiritualidade e Saúde. A inclusão foi possível após a reforma no currículo do curso e segue uma tendência mundial comprovada em pesquisas científicas, que têm mostrado os benefícios que a espiritualidade traz para a saúde física e mental. A abordagem não é doutrinária, nem religiosa. O objetivo é abordar com os pacientes valores que transcendam sua vida biológica.
Os professores Roberto Esporcatte e Ricardo Bedirian são unânimes em dizer que a necessidade da abordagem atende muito mais aos anseios e questionamentos dos pacientes que dos próprios médicos e estudantes, embora percebam um interesse maior pelo tema nos últimos 20 anos entre os acadêmicos de medicina. “A relação médico-paciente precisa incluir a espiritualidade. Existe uma expectativa coletiva para que o tema seja tratado pela equipe médica”, revela Esporcatte.
O tema começou a ser discutido na Sociedade Brasileira de Cardiologia, durante um congresso em 2012, através do Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular (Gemca), atualmente presidido por Esporcatte. “A expectativa da maioria dos pacientes é tão grande… então por que não nos aprofundarmos? A espiritualidade pode mudar a evolução clínica de muitas enfermidades. A abordagem, com o rigor do método científico, veio crescendo nas últimas duas décadas”, explica.
O movimento que aborda o tema espiritualidade e saúde teve início com as ligas universitárias nos cursos de Medicina de instituições públicas, entre elas a UERJ, que foi o terceiro curso do Estado do Rio de Janeiro com a disciplina no currículo. A estudante de medicina Elisa Louzada, 23 anos, uma das representantes da LiAME (Liga Acadêmica de Medicinas e Espiritualidade da UERJ) revela que, junto com ela, outros sete alunos estão à frente da liga e que muito ainda há para ser feito. “Sempre me identifiquei muito com a espiritualidade. Então entrei na Liga para entender melhor o assunto. Estamos avançando. Na UERJ, a LiAME funciona como propulsora de mudanças e disseminadora de conhecimento”, comemora.
A primeira turma teve 30 estudantes que discutiram o tema em aulas semanais e aprenderam a fazer anamneses completas, que vão além da análise de doenças e sintomas. “A espiritualidade é uma questão inerente ao ser humano. Medicina lida com seres humanos, então é muito coerente que ela considere também a espiritualidade”, revela o professor Bedirian.
Os dois professores acreditam que a abordagem muda a relação médico-paciente. Segundo eles, compreender a importância das experiências dos pacientes com o tema torna a relação mais próxima e produz efeitos na evolução do tratamento médico. “Não importa se você acredita ou não, se você é da mesma religião que o paciente ou não, mas importa que você entenda o que aquele relato representa, o que aquele tema significa para ele”, disse o professor Esporcatte para uma turma repleta de acadêmicos de Medicina.
Entre os alunos da disciplina, o estudante Victor Harmendani, 21 anos, do 4º período de Medicina, também integrante da LiAME revela: “Desde que comecei a perceber mudanças na minha própria vida com relação a espiritualidade, eu tenho convicção que influencia também na saúde”.
Da mesma turma que Victor, outro acadêmico de Medicina, Caio Assunção, 20 anos, faz coro com o professor Bedirian ao descrever seu interesse pela matéria. “Penso que quando a gente escolhe Medicina é pra cuidar de pessoas. Às vezes a doença não tem cura, mas o paciente tem. A espiritualidade é inerente ao humano, todo mundo tem”, explica.
O cardiologista Pedro Spineti, que também leciona na disciplina, reforça o entendimento de que o assunto era negligenciado pelos profissionais de saúde, mas acredita que isso está começando a mudar. “Em geral, a área de saúde não aborda o tema. A espiritualidade provoca um olhar diferenciado, vê o paciente de uma forma integral. É Medicina centrada no paciente”, explica.
Diretrizes de Prevenção
De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, 84% da população mundial declara ter alguma religião. No Brasil, o percentual de pessoas que se declara cristã chega a 86,7%. Segundo dados do Censo do IBGE de 2010, 99,7% dos brasileiros declaram acreditar em Deus. A grande maioria da população segue uma religião cristã (87%) e, destes, a religião católica predomina (65%).
Em 2019, de forma inédita em todo o mundo, a Sociedade Brasileira de Cardiologia publicou uma orientação sobre espiritualidade, recomendando que o tema faça parte das consultas médicas. O documento faz parte das Diretrizes de Prevenção da SBC e foi escrito pelo Gemca. “Deixamos claro que nosso trabalho não é doutrinário nem religioso. Não é nosso papel orientar que sigam esta ou aquela prática religiosa, mas é nosso papel entender como os sentimentos ligados a espiritualidade, perdão e gratidão fazem diferença na saúde dos pacientes”, explica Esporcatte.
Seminário no Campus Maracanã
No início de outubro, o I Simpósio das Disciplinas Universitárias de Saúde e Espiritualidade do Rio de Janeiro atraiu aproximadamente 200 pessoas para o campus Maracanã. Durante todo o dia, cientistas, professores, médicos, estudantes de Medicina e áreas afins discutiram ciência, espiritualidade e saúde integrando assistência, ensino e pesquisa. O evento reuniu professores da própria Universidade, da UNIRIO e da UFF, além das ligas acadêmicas, com estudantes de Medicina das três instituições.
Eles discutiram temas como: a importância da espiritualidade na formação e na prática clínica, o impacto da espiritualidade em desfechos clinicamente relevantes, além das demandas dos pacientes, do profissional de saúde e dos alunos.
Fonte: Diretoria de Comunicação da UERJ