Pesquisa pioneira conduzida por brasileiros, e internacionalmente premiada, aponta notáveis avanços no que tange ao rejuvenescimento de pele. E, como legado, pode gerar novas possibilidades em diversas áreas da medicina, além da Cirurgia Plástica.


As células-tronco hoje representam a grande aposta da medicina regenerativa. O tema vem movimentando um intenso fluxo de estudos dentro da comunidade científica. Entende-se perfeitamente o interesse: as células-tronco são como ‘matrizes’ prontas a serem usadas para confeccionar a maioria dos tecidos do corpo humano. Elas não são especializadas, ou seja, não se tornaram ainda células com funções específicas. Podem, portanto, serem induzidas a se transformarem no que a medicina quiser. Daí os estudos possibilitarem tantos caminhos e possibilidades de novas terapias e tratamentos.

Nesse viés, as pesquisas envolvendo células-tronco na pele podem reverberar em novas percepções, com diversos benefícios para outras áreas da medicina, para além da Cirurgia Plástica. Por exemplo, no âmbito da Cardiologia, se há uma lesão no músculo cardíaco provocada por um infarto, é possível fazer com que células-tronco assumam as características de células cardíacas e realizem as tarefas das que foram lesadas. Ou que deem origem a vasos sanguíneos, garantindo que uma área atingida por qualquer agressão receba mais oxigênio e nutrientes.

Para mais informações sobre medicina regenerativa e, especificamente, no tocante às pesquisas em Cirurgia Plástica, o Centro de Apoio à Pesquisa no Complexo de Saúde da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAPCS-UERJ) conversou com Luiz Charles Araujo de Sá, cirurgião plástico, doutor em cirurgia, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica, atualmente exercendo suas atividades no serviço de cirurgia plástica  da UERJ.


CAPCS-UERJ – Medicina regenerativa. Muito se fala sobre ela hoje em dia. Podemos, de fato, considerá-la o grande avanço na medicina, talvez até alçando-a à condição de medicina do futuro?

Charles de Sá – Sim, acredito nisso. Hoje, a maior causa de mortes, que acometem a população – com idade de 60 anos ou mais – são resultantes de doenças degenerativas; então a necessidade é que a medicina regenerativa amplie seus estudos, pesquisas, se desenvolva e se torne mais acessível na ponta no sistema de saúde, chegando em aplicabilidade e eficácia à população.

Porém, ela ainda é restrita. No Brasil existe toda uma regulamentação da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e do Conselho Federal de Medicina [CFM], mas principalmente da Anvisa, o que impossibilita um desenvolvimento mais pleno e efetivo de ações no âmbito da medicina regenerativa. Mas, a ressaltar, houve um marco regulatório da Anvisa, no ano passado, extremamente positivo, que nos aporta evolução e novos caminhos.


CAPCS-UERJ – Quais seriam os maiores benefícios no que tange à aplicabilidade de práticas em medicina regenerativa?

Charles de Sá – Reduzir a fila de transporte de órgãos. Ao invés de transplantar o órgão doente por um órgão novo, através da medicina regenerativa podemos recuperar, regenerar o órgão, com as células do próprio indivíduo, enfim, desenvolver a funcionalidade daquele órgão. Dar-nos-ia uma celeridade considerável no processo, além do que, sem depender do doador… Sem dúvida, a medicina regenerativa irá trazer um grande e positivo impacto, alongando a sobrevida dos indivíduos. E com a segurança de tudo – efetiva e amplamente – testado e aprovado pelos órgãos reguladores.

 

Premiação e legado


 CAPCS-UERJ – Uma pesquisa sua, sobre terapia de rejuvenescimento de pele via células-tronco, reverberou em premiações – nacionais e internacionais. Fale-nos, por favor, sobre o uso de células-tronco na regeneração de pele…

Charles de Sá – Foi um estudo  multicentro em parceria Brasil-Itália. Realizamos no Brasil uma pesquisa inédita para avaliar se a aplicação, na cútis, de células-tronco extraídas do próprio paciente é capaz de promover o rejuvenescimento cutâneo.

O estudo foi desenvolvido pelo nosso grupo no Brasil, tendo minha colega, cirurgiã-plástica, Natale Gontijo de Amorim, diretora da Comissão Científica da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (regional Rio de Janeiro), prof. Radovan Borojevic, e Christina Maeda, da UFRJ e pelo médico italiano Gino Rigotti, da Universidade de Verona, na Itália. Investimos na perspectiva de um caminho diferente e muito promissor. Sem dúvida, trata-se de uma das principais apostas da medicina regenerativa da atualidade.


CAPCS-UERJ – Descreva-nos um pouco mais sobre a dinâmica da pesquisa…

Charles de Sá – As células-tronco usadas são extraídas da gordura do paciente, processadas em laboratório e injetadas na pele do rosto. Na etapa inicial da pesquisa, participaram vinte pacientes, com idade entre 45 e 60 anos, todos apresentando flacidez parcial. A aplicação das ´células curinga´ foi feita em uma área próxima à orelha, na altura da bochecha. Após quatro meses, a pele tratada foi retirada em um facelifting (procedimento cirúrgico de rejuvenescimento) e analisada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Universidade de Verona.

Observamos que as fibras elásticas [dão elasticidade à pele] danificadas pelo processo de envelhecimento natural ou por agressões externas ( elastose cutânea), como os raios solares, desapareceram e deram lugar a fibras novas, intactas como as encontradas em uma pele jovem.

Houve outros benefícios constatados, tais como aumento da hidratação, do remodelamento da matriz extra-celular, e a quantidade de vasos sanguíneos, que cresceu, garantindo mais nutrição e oxigenação. O procedimento também se mostrou seguro, não sendo registrada qualquer alteração que representasse risco à saúde.


CAPCS-UERJ – Os resultados apontam, portanto, a novos caminhos e excelentes perspectivas…

Charles de Sá – Sim, sem dúvida. Trata-se de um estudo potencializado por avanços técnicos utilizados para reparação da perda do volume facial pelo envelhecimento, além do reposicionamento das estruturas profundas. Associamos a reposição da volumetria facial, com uso de transferência de tecido adiposo (lipoenxertos) e uso de células-tronco. Com esta nova tecnologia, além de reestabelecer a flacidez, a perda de volumetria facial, conseguimos regenerar os tecidos envelhecidos da face.

Em 2010, publicamos, nos Estados Unidos e na Inglaterra, um método, de fácil execução, de tratamento da gordura e retirada de suas células-tronco. Este trabalho foi premiado no Congresso Internacional de Cirurgia Plástica em Genebra em 2012 e no Rio de Janeiro em 2014. Entre 2015 e 2016, publicamos nos Estados Unidos os resultados iniciais do uso das células-tronco para o rejuvenescimento da pele humana envelhecida. A publicação foi feita na revista médica mais conceituada na área da cirurgia plástica [revista científica Plastic and Reconstructive Surgery], mostrando melhora do aspecto histológico da pele. Hoje, este estudo é considerado como base-line para outras pesquisas nesta seara.

Este estudo foi o primeiro no mundo a ser realizado em seres humanos. A ressaltar, como dissemos no início da conversa, a aplicação clínica das células-tronco é realizada no Brasil apenas em protocolos de pesquisa, observando as regras dos órgãos reguladores, como a Anvisa.


CAPCS-UERJ – Então, persistem restrições com relação ao uso clínico com células-tronco… Quais os avanços nesse sentido?

Charles de Sá – Costumo dizer que passamos por um “período das trevas” com relação à medicina regenerativa… [risos] Agora, mais recentemente, no final do ano passado, a própria Anvisa enxergou o nosso atraso com relação a algumas terapias que já estão com todo o seu pré-requisito estabelecido em relação à eficácia e segurança e alçou a medicina regenerativa à categoria de “terapias avançadas”, com segurança do método. Está sinalizado, portanto, para a comunidade científica um caminho próspero no que tange à liberação das terapias.

Como legado, propiciará novos estudos e perspectivas. Na ciência você faz um estudo com aplicabilidade a um segmento, mas dá possibilidade para aplicabilidade em outros segmentos. É o legado da pesquisa.


CAPCS-UERJ – O senhor possui também pesquisas, no âmbito da iniciativa particular, propiciadas por meio da Clínica Performa, instituição da qual é Diretor Médico Clínico. Poderia nos falar sobre estes trabalhos…

Charles de Sá – A Performa é uma rede de clínicas inovadoras. A missão é oferecer um serviço médico e estético altamente diferenciado. Eu e minha sócia, cirurgiã-plástica, Natale Gontijo de Amorim, ambos com especialização com o Mestre Ivo Pitanguy, procuramos oferecer uma nova proposta de atendimento, unindo expertise, ciência e compromisso com a qualidade e eficácia dos resultados.

Estamos executando pesquisas, financiadas por nós mesmos, ligadas à produção de novas fibras elásticas. E isso dá à medicina a possibilidade de estender essa aplicabilidade, do aumento de produção de fibras elásticas, a Cardiologia, por exemplo, gerando novas perspectivas em saúde. Como ressaltamos anteriormente, a pesquisa precisa deixar legado e aplicabilidade.

 

Apoio ao pesquisador


CAPCS-UERJ – Na valorização, segurança e realização de projetos de pesquisa, como o senhor observa a relevância de centros ou escritórios de apoio ao pesquisador, tais como a proposta aqui efetivada pelo CAPCS-UERJ…

Charles de Sá – Entrei aqui na UERJ há cinco anos, como voluntário, para realizar minhas pesquisas. E neste ano, 2019, após ter sido efetivado mediante aprovação em concurso público, encontrei aqui na Universidade, através do CAPCS-UERJ, uma plataforma universitária, com uma equipe multidisciplinar, capitaneada pela profa. Isabel Bouzas, muito oportuna para o apoio ao pesquisador e para expandir a pesquisa. Esse conceito de valorizar e potencializar a pesquisa é muito interessante.

Cito aqui meu exemplo… Particularmente, me sinto como uma ‘usina de ideias” para novas pesquisa [risos], e com muita capacidade de trabalho. Porém, nós, enquanto pesquisadores, precisamos entender que estamos em constante formação. Assim sendo, precisamos de apoio e orientação, por exemplo, para ver com precisão quais os melhores caminhos em um projeto de pesquisa, precisamos de apoio para entendermos e desenvolvermos os processos, precisamos compreender o entorno da pesquisa que estamos desenvolvendo.

Então, toda essa parte administrativa-burocrática-contábil nos faz esvair muita energia, que de fato poderia estar canalizada na pesquisa em si. Portanto, o apoio ao pesquisador é vital para o pragmatismo da pesquisa, para que ela se transforme em produtos a serem utilizados, melhorando consideravelmente a saúde da população.


CAPCS-UERJ – Quais as suas considerações finais, sobretudo ao observarmos a necessidade de sempre buscarmos melhores práticas na prospecção e valorização de projetos de pesquisa…

Charles de Sá – Apenas agradeço à Universidade e parabenizo ao CAPCS-UERJ, através de sua coordenação e equipe multiprofissional. Meu desejo é que esta ideia frutifique e se replique por todo o Brasil. Por certo, há muitos pesquisadores, com muito potencial e com promissores projetos, mas que não sabem exatamente por onde, nem como começar. Com isso, em muitos casos, de fato, os projetos se perdem em meio às inúmeras burocracias impostas e trâmites administrativos.

E que, na medicina regenerativa e na medicina como um todo, possamos sempre alinhar a pesquisa e os avanços tecnológicos à saúde e qualidade de vida da população.



Por Felipe Jannuzzi

Jornalista do CAPCS-UERJ