Buscando fortalecer o debate sobre medicina de adolescentes, e como parte do conjunto de ações de sensibilização pela Semana Nacional de Prevenção da Gravidez, a Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro (SES-RJ) realizou, por meio do Telessaúde-UERJ, uma webconferência reunindo especialistas no tema.
Ao observarmos o cenário atual, vemos que a taxa mundial de gravidez adolescente é estimada em 46 nascimentos para cada 1 mil meninas de 15 a 19 anos. No Brasil, a taxa é de 68,4, segundo dados da ONU. Há, portanto, uma necessidade expressa em falar sobre a adolescência – aí incluídos os temas Prevenção da Gravidez na Adolescência, Anticoncepção na Adolescência, Infecções Sexualmente Transmissíveis na Adolescência, entre outros de igual relevância. Por certo, precisamos ampliar a reflexão e prospectarmos novas pesquisas na área.
Sancionada recentemente, a Lei nº 13.798 institui a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência. A medida passa então a vigorar no Art. 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e será celebrada, anualmente, na semana que incluir o dia 1º de fevereiro. Visando fortalecer o debate sobre o tema – criando mecanismos para informar, sensibilizar e consolidar a rede de proteção de criança e adolescentes, num processo que envolve a família e o profissional da medicina de adolescentes – várias ações vêm sendo ofertadas à sociedade.
Webconferência
Como parte de ações de sensibilização envolvendo a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, foi realizada, no dia 29/01/2019, por meio do Telessaúde da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – uma webconferência promovida pela Área de Saúde de Adolescentes e Jovens da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro – SES-RJ. As convidadas foram a médica Ginecologista e Obstetra Isabel Bouzas, Doutora em Medicina pela UERJ, Editora chefe da Revista Adolescência & Saúde, da UERJ; e a médica Pediatra Regina Katz, Mestre da Mulher e da Criança pelo Instituto Fernandes Figueira (IFF-Fiocruz), Coordenadora do Espaço Livre de Orientação em Sexualidade e Saúde – ELOSS – do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) da UERJ. A moderadora foi a médica Pediatra Therezinha Cruz, com área de atuação em Adolescência, coordenadora técnica da Área de Saúde de Adolescentes e Jovens da SES-RJ.
O Centro de Apoio à Pesquisa no Complexo de Saúde da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAPCS-UERJ) esteve presente e, aqui, apresenta principais reflexões geradas por meio da palestra da Doutora Isabel Bouzas.
CAPCS-UERJ – Sobre questões que, em linhas gerais, influenciam a incidência de gravidez na adolescência…
Isabel Bouzas – Questões de âmbito econômico, social, político, biológico, cultural, emocional, psicológico. Vale ressaltar, e é importante entendermos, prevenção de gravidez na adolescência é diferente de questão de planejamento familiar. Quando falamos em gravidez na adolescência, devemos sempre ter em mente prevenção das situações de vulnerabilidade relacionadas a adolescência. E, ainda, não trazermos à reflexão somente a perspectiva da adolescente. Precisamos desconstruir esse verdadeiro “muro de silêncio” sobre a paternidade na adolescência; assim, percebendo a perspectiva de meninos e meninas, analisaremos a questão com visão ampliada.
CAPCS-UERJ – Fatores que, especificamente, contribuem para o aumento da incidência de gravidez na adolescência…
Isabel Bouzas – Podemos afirmar que se trata de um conjunto de fatores, sendo eles intrínsecos e extrínsecos. Como fatores intrínsecos, podemos citar: nível de conscientização e exercício da sexualidade; transformações físicas e emocionais que geram insegurança e medo; precisamos considerar também que muitas adolescentes procuram testar o funcionamento do corpo [desejando saber se podem ser mães]; e ainda, nessa perspectiva de entendimento de fatores intrínsecos, perceber que influem também sentimentos relacionados com solidão, angústia, amor e amizades.
Como fatores extrínsecos, temos que considerar: mudanças sociais no que tange ao comportamento sexual; condições socioeconômicas, tais como escolaridade, nível de renda e [falta de] alternativas; questões de estrutura familiar; questões relacionadas à mídia, Internet e redes sociais, em muitos momentos com viés exacerbado de exploração da sexualidade; e considerar também muitos casos advindos de abuso sexual.
CAPCS-UERJ – Sobre sexualidade e adolescência…
Isabel Bouzas – A sexualidade na adolescência é marcada por períodos de curiosidade, de descoberta corporal e despertar sexual. Há um período de experimentação – social e sexual. Há um período de desenvolvimento da identidade pessoal e sexual (“Quem sou eu?”, “Percebo-me como homem ou como mulher?). E há também um característico período de escolhas e decisões sexuais e sociais futuras. E nós, profissionais, precisamos perceber plenamente estes períodos todos que compõem a adolescência, com suas tantas especificidades. E desenvolver uma plena integração entre a orientação adequada, assistência precisa e gerar conhecimento com relação a acesso aos métodos. Daí ser tão importante a necessidade em buscarmos caminhos e desenvolvermos mais pesquisas nesta área de saúde de adolescentes. O resultado de uma pesquisa irá nos embasar, possibilitando sair do “achismo” que por vezes pontua algumas análises.
Relação de confiança e confiabilidade
CAPCS-UERJ – Sobre a necessidade expressa em haver uma orientação adequada. Quais os caminhos necessários a percorrer?
Isabel Bouzas – Primeiro de tudo, precisamos promover uma relação de confiança e confidencialidade. Os adolescentes devem se sentir plenamente seguros para expor suas dúvidas, seus questionamentos, suas inseguranças, enfim, ter um espaço seu, no qual sintam-se plenamente ouvidos, amparados e seguros. Esta relação é vital não somente para os profissionais obterem informações, mas sobretudo para os adolescentes serem assistidos de forma integral. Possibilitando então uma completude entre perceber o adolescente e propiciar-lhe a melhor assistência. No trato com o adolescente, precisamos ‘deixar a porta sempre aberta’, orientando sempre, continua e atentamente, mesmo que num primeiro momento não vejamos resultado prático desta orientação. E visar também atrair os pais à reflexão e interação no processo; é fundamental que a família conheça o profissional. Nossa relação é direta com o adolescente, mas a família não pode, jamais, ser excluída no processo.
Especificamente sobre o ponto prevenção da gravidez na adolescência, precisamos bem orientar os adolescentes em relação à sexualidade, ao processo da reprodução, ao ato sexual, à prevenção das Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST/AIDS, ao kit preventivo e ao funcionamento de todos os métodos de forma simples e codificada, possibilitando que o adolescente possa utilizar as informações no seu dia a dia. Não basta somente dar a informação; é preciso que o adolescente a utilize com segurança e naturalidade. E compreender que gravidez na adolescência, mesmo não planejada, não necessariamente é um prognóstico ruim, não necessariamente todos os casos serão de alto risco. O fundamental é identificar principais questões sobre o tema e criarmos mecanismos para que a informação seja passada e utilizada na hora certa.
Adolescência precisa de olhar diferenciado
CAPCS-UERJ – Quando se fala em métodos preventivos, qual a associação mais utilizada…
Isabel Bouzas – É bom lembrar que não existe um método anticoncepcional que seja o “melhor” para todas as adolescentes. Cada método tem suas próprias características que podem ser mais atrativas para algumas e não para outras. Portanto, o melhor é àquele o qual a adolescente se ajusta e afina. Mas a combinação camisinha mais anticoncepcional oral é a mais utilizada, comumente. Especificamente sobre a pílula, um dos medicamentos mais estudados na terapêutica médica, vale lembrar que, quando corretamente utilizada, é um método reversível, eficaz e seguro, sendo a forma mais popular de anticoncepção conhecida mundialmente, inclusive por adolescentes. Entretanto é nessa faixa etária que ocorre a maior incidência de uso incorreto e abandono. Daí lembrarmos sempre e a necessidade da informação clara e validada, e de sua utilização, de forma segura. E que o sistema de saúde, num todo, funcione. O profissional precisa se sentir apoiado.
CAPCS-UERJ – Ainda permanecem alguns mitos envolvendo a questão gravidez na adolescência…
Isabel Bouzas – Sim, permanecem. O problema é que há uma predisposição em achar que só acontece com os outros… “E que nunca vai acontecer comigo”… A prevenção [aí incluída a camisinha], em linhas gerais, ainda é bem pouco utilizada e falada. Permanece ainda muita inibição e até certa vergonha em falar sobre o tema. Vemos então a importância destas iniciativas atuais, do Governo Federal e Secretarias de Saúde, em promover debates, buscar ações de sensibilização, visando circular em sociedade informação validada por profissionais e esclarecimentos que induzam a uma boa reflexão.
CAPCS-UERJ – Considerações finais… O que não podemos jamais dissociar de nosso pensamento para um entendimento amplo sobre prevenção de gravidez na adolescência.
Isabel Bouzas – A sexualidade faz parte da vida do ser humano. Auxiliar e permitir que o adolescente possa vivenciá-la de uma forma saudável irá interferir positivamente na estrutura física e emocional; consequentemente prevenindo muitas situações desfavoráveis.
A gravidez na adolescência faz parte do exercício da sexualidade, que, associada às especificidades desta faixa etária, tem como processo, na maioria das vezes, um não planejamento. Sua prevenção continua sendo um grande desafio – não só para os profissionais que trabalham com adolescentes, mas para todos os setores da sociedade.
É importante que haja conscientização e um novo sentido sobre o tema. Os adolescentes precisam ter condições de exercer seus direitos à saúde reprodutiva e sexual de forma saudável, consciente e segura. A adolescência precisa de um olhar diferenciado, com reflexão e prevenção, para que possa desenvolver adultos saudáveis.
Voltamos a ressaltar: é fundamental valorizar a adolescência como área de pesquisa científica, principalmente no que tange à saúde sexual e reprodutiva.
Por Felipe Jannuzzi, Jornalista do CAPCS-UERJ.
Em: 07/02/2019