A linha divisória entre positivo e negativo, benefícios e malefícios, uso e abuso, é constantemente muito tênue e requer atenção e percepção sempre aguçadas. Vivemos em uma era em que os limites entre o mundo virtual e o mundo real interagem e se confundem, mais acentuadamente no universo dos adolescentes. Os profissionais de saúde dependem, cada dia mais, de pesquisas geradoras de informações que os auxiliem na detecção e prevenção dos riscos comportamentais criados por essa interação entre os dois mundos.
CAPCS – Nessa área, de saúde de jovens e adolescentes, vislumbramos também uma forte atuação da mídia, influenciando comportamentos e propondo estilos de vida. Como vê essa interação?
Evelyn Eisenstein – Sim, e o estudo deste campo específico, a mídia, requer uma grande atenção. Há uma dita “indústria de entretenimento”, com uma enorme profusão de filmes, vídeos, programas de televisão, séries, aplicativos, enfim, mídias diversas. Mídia é meio de transmissão. Mas precisamos refletir: Quem produz esses vídeos? Filmes? Programas? Quem cria a estrutura dessas mídias? Não são os adolescentes que fazem esses programas e aplicativos. São adultos que estruturam esses conteúdos, e o fazem com suas perspectivas, que advém de suas próprias adolescências, com suas percepções. E querem expressar o quê? Vender o quê? Certamente um “produto”.
CAPCS – Fale-nos, por favor, mais sobre este “produto”…
Evelyn Eisenstein – Ele pode ser exagerado, simplificado ou distorcido. Aí está um ponto para o qual devemos aguçar muito os nossos sentidos. Esse “produto” pode estar sendo distorcido ou glamourizado nas redes sociais e, o mais grave, patologizando, adoecendo o adolescente. Aí nos perguntamos: Mas por que ele é distorcido? Por que a gente não vende saúde? Infelizmente, a realidade é que hoje estamos vendendo doença. Filmes de violência, guerras, terrorismo, muitas mortes, intolerâncias. “Heróis” contra “vilões”. O “bem” contra o “mal”.
CAPCS – A mídia então vem traçando uma imagem equivocada de uma fase tão significativa para o ser humano…
Evelyn Eisenstein – Basta observar: em grande parte dos programas televisivos, dos filmes e vídeos, veicula-se, massificando, o adolescente sexualizado, drogado, abusado, distorcido, sempre o adolescente problemático. Com a exposição ele até recebe sim alguma atenção, mas uma atenção negativa…. Por que a sociedade não coloca esse adolescente com uma atenção positiva? Saudável? Por que não se investe nesse adolescente? Em sua saúde, ao invés de ressaltar doença. Isso ocorre porque o adulto que fez esse filme, ou vídeo, ou mídia, ele não refletiu sobre a sua própria adolescência, sobre seus problemas…dificuldades… Ele não vivenciou a fase, ou seus traumas passados, com reflexão. Esse adulto, que materializa esses “produtos”, ele tem uma visão distorcida do processo. E vai continuando a patologizar a sociedade com tanta violência, intolerância, ódio, desequilíbrio. Pesquisa recente, TIC Kids Online Brasil2015, realizada pelo CGI, Comitê Gestor da Internet, mostrou que 40% de um grupo de adolescentes já receberam mensagem de ódio, cyberbullying, entre outras formas de contato com violência, discriminação e intolerância nas redes… Hoje, por exemplo, se ofertam aos adolescentes esses tantos “produtos” sob a forma de videogames, jogos online, aplicativos, com clara incitação à violência, ao ódio e com o agravante de dar “recompensa”, como, por exemplo, ganhar pontos se matar tantos adversários…passar de fase… adquirir bônus… Isso tudo cria um efeito cerebral, mental da dependência online.
* Entrevista e matéria por Felipe Jannuzzi. Jornalista, editor executivo da Revista Adolescência & Saúde.